Já disse em outras oportunidades que gosto muito de trabalhar com agências de tradução e que, em minha opinião, sua atuação em nosso mercado é injustamente demonizada. Mas quando o assunto é lidar com as transformações introduzidas em nosso negócio (no bom sentido, de dentro para fora) pelas ferramentas de auxílio à produção, principalmente as ferramentas de MT, aí a coisa muda de figura e para bem pior. Infelizmente, salvo uma minoria, as empresas que vendem serviços de tradução, notadamente as empresas de localização, estão abrindo uma cova grande o suficiente para caber todos nós, inclusive elas próprias, e sorrindo enquanto o fazem.
Estamos num momento em que a necessidade da tradução humana e a função do tradutor foram postas na berlinda pelos tomadores do mercado (os compradores de tradução), que muito pouco ou nada sabem sobre tradução automática (MT) e estão achando que se trata da maravilha das maravilhas, algo que os livrará da chatice e do desperdício financeiro de ter que esperar que seus documentos sejam traduzidos por custos que acham absurdos. E as empresas de tradução, que por seu maior trâmite nesse mercado, deveriam tomar para si a responsabilidade de defender todos os envolvidos em sua atividade e fazer seus clientes perceberem que não é bem assim, que para haver traduções de qualidade o linguista profissional ainda tem e terá um papel muito relevante a desempenhar nesse bravo novo mundo da MT, fazem o quê? Salvo a já citada minoria, ratificam para seus clientes a ideia absurda de que podem ter tradução em quantidades granélicas com qualquer nível de qualidade num estalar de dedos. Pior ainda, tentam inculcar essa mesma ideia, a de que boa tradução pode ser feita às toneladas, em seus próprios tradutores, com mistificações muito bem argumentadas sobre "nuvens" e "suckersourcing" ("crowdsourcing" é outra coisa), chegando a explicitamente desvalorizar o trabalho do tradutor no intuito claro de remunerar menos.
Com isso em mente, resolvi sentar e escrever essa cartinha para os queridíssimos de algumas empresas de tradução. Lá vai.
Queridíssimas agências de tradução e localização cujos olhos a MT arregalou:
Pessoal, por meio desta venho ter um papo reto com vocês. ACORDA, POVO! Já passou da hora! Será que ainda não perceberam que se continuarem mistificando a MT para seus clientes e tentando criar um magote de pós-editores mal pagos para produzir tradução em massa estarão dando um tiro no próprio pé? Quanto tempo acham que levará até que seus próprios clientes incluam vocês na irrelevância e os troquem por um Systran da vida, que poderá produzir, por um custo bem menor, a mesma coisa reles que as agências estão fornecendo? Sem contar que isso só contribui para a imagem de aproveitadores e empresários descomprometidos que muitos dos meus colegas erradamente (o advérbio é sincero) têm de vocês.
Uma sugestão: por que não passar a vender serviços como os que vende a Pangea (http://www.pangea.com.mt/en/about-pangeanic-com-mt/)? Não trabalho para eles, não sei se remuneram bem os prestadores, mas no tipo de serviço que vendem é onde pode estar seu futuro empresarial e nosso porvir profissional.
Queridíssimos das agências e empresas de tradução, estamos nessa juntos, "é nóis"! Deixem de bobeira, apertem os olhos e assumam suas responsabilidades de desbravadores de uma nova senda tradutória, por onde nós, tradutores, seguiremos altivamente, e parem de ser arautos do Apocalipse tradutístico! Entendo que seu objetivo é lucrar com traduções e não poderia ser diferente, mas se continuarem assim, louvando a máquina confiados numa turba de tradutores meia-boca em detrimento do linguista profissional, muito em breve, ao invés de atirarem no próprio pé, estarão apontando uma MT carregada, de grosso calibre, para suas próprias cabeças. E as de seus tradutores.
Olha lá o que vão fazer, hein?
Com amor, eu.
já que você tocou no tema localização, faço aqui um paralelo. minha TCC foi sobre análise da localização em rótulos de comestíveis (que vai sair em livro esse ano) no brasil e no exterior, mas não pude deixar de chamar atenção para o que a indústria de localização está fazendo com a tradução. claro que meu viés é bem filosófico e acadêmico neste ponto, mas o que me deixou mais angustiada mesmo foi que não há hoje no brasil uma discussão sobre a questão, e, pelo que me parece, sequer consciência do que está acontecendo (encontrei alguns gatos pingados no exterior). prova é que falei brevemente sobre o assunto em uma palestra e a plateia não deixou de ficar surpresa. parece-me que o mesmo aplica-se para a TA (cenário que começo a ver traçado abertamente por você). mas, caso esteja enganada a este respeito, resta-me assumir que muitos do que estão ciente do atual desdobramento dessas questões, não estão colocando a boca no trombone - ou pelo menos não alto o suficiente. pior ainda, aqueles que têm voz, como constatei em um blog famoso um dia desses, manifestam-se, na minha opinião, de forma leviana. ainda que não tenha sido intencional ou consciente, o que eu posso concluir disso é que os demais que não sabem o que estão acontecendo, por ouvir isso de alguém que acham influente, vão comprar a ideia sem saber o que está por trás dela. e se pior puder ser, quando quiserem tomar uma atitude, já será tarde demais: a localização já estará plenamente estabelecida e a tradução automática estigmatizada. (desculpe-me o longo e um pouco desconexo desabafo! espero que tenha entendido a ideia)
ResponderExcluir